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O Impacto do Direito da Saúde nos Educandos com TDAH, Dislexia e/ou Outros Transtornos de Aprendizagem: Direito da Saúde e os Alunos Neurodivergentes

Marisa Ribeiro - advogada

Marisa Rosa Ribeiro Ávila

RESUMO

Os alunos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Dislexia e/ou outro transtorno de aprendizagem não são considerados com deficiência para fins legais.

Esses educandos não são público alvo da educação especial e por isso existe uma lacuna entre as necessidades de suporte educacional decorrente do quadro diagnóstico e o que é oferecido dentro das escolas.

A Lei Federal 14.254/2021 já está em vigor e prevê o apoio educacional para alunos com TDAH, Dislexia e/ou outro transtorno de aprendizagem, porém as escolas encontram grandes dificuldades para prestar o atendimento necessário e previsto em lei.

Existe um debate político para equiparar os direitos das pessoas com TDAH a deficiência para fins legais, como é no caso das pessoas autistas.

Diante dessa celeuma, a pesquisa é baseada no PL 2.630/2021, pois um dos objetivos era equiparar os direitos das pessoas com TDAH, as pessoas autistas e também analisar a jurisprudência que resguarda os direitos dos alunos com transtorno de aprendizagem equiparando ao público de educação especial, bem como análise dos direitos trazidos pela Lei 14.254/2021.

A partir dessas análises é possível concluir, que embora não exista legislação equiparando os alunos com TDAH, Dislexia e/ou outro transtorno de aprendizagem, as pessoas com deficiência, quando o caso é levado à Justiça e comprovado com relatório médico a necessidade educacional, o entendimento é pela aplicação da LBI – Lei Brasileira de Inclusão e reconhecida a necessidade de atendimento especial e suporte, com um professor auxiliar, por exemplo.

 Palavras Chave:  TDAH. Dislexia. Deficiência. Educação. Lei Brasileira de Inclusão.

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Graduada em Direito, Universidade Bandeirante, São Paulo. Advogada, atuante no direito da saúde e educacional, com foco nos direitos dos autistas e neurodivergentes. E-mail: marisaribeiroadvocacia@gmail.com

The Impact of Health Law on Students with ADHD, Dyslexia and/or Other Learning Disorders: Health Law and Neuro Divergent Students

Marisa Rosa Ribeiro Ávila

ABSTRACT

Students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), Dyslexia and/or another learning disorder are not considered to have a disability for legal purposes.

These students are not the target audience of special education and therefore there is a gap between the educational support needs resulting from the diagnosis and what is offered within schools.

Federal Law 14.254/2021 is already in force and provides for educational support for students with ADHD, Dyslexia and/or another learning disorder, but schools encounter great difficulties in providing the necessary care provided by law.

There is a political debate to equate the rights of people with ADHD to disability for legal purposes, as is the case for autistic people.

In view of this uproar, the research is based on PL 2630/2021, as one of the objectives was to equate the rights of people with ADHD, autistic people and also to analyze the jurisprudence that protects the rights of students with learning disorders by equating them with the education public special, as well as analysis of the rights brought by Law 14.254/2021.

Based on these analyses, it is possible to conclude that, although there is no legislation equating students with ADHD, Dyslexia and/or another learning disorder, people with disabilities, when the case is taken to court and proven with a medical report, the educational need, the understanding is through the application of the LBI – Brazilian Law of Inclusion and recognizing the need for special care and support, with an assistant teacher, for example.

 Keywords: ADHD. Dyslexia. Deficiency. Education. Brazilian Law of Inclusion

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Graduated in Law, Universidade Bandeirante, São Paulo. Lawyer, active in health and educational law, focusing on the rights of autistic and neuro divergent. Email: marisaribeiroadvocacia@gmail.com

1           TDAH – SAÚDE X EDUCAÇÃO

O entendimento do direito à saúde é ponto fundamental para esclarecer sobre os direitos dos alunos neurodivergentes, no caso em questão, dos educandos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Dislexia e /ou outros transtornos de aprendizagem.

Existe uma defasagem de conceitos na esfera política e social, que prejudica o acesso ao direito da educação desse público, que perpassa pelos conceitos da saúde.

Em 2022 houve mudança na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), para incluir o TDAH no CID 11, pois houve a necessidade de atualização, haja vista, as peculiaridades do transtorno.

Em contrapartida, o Projeto de Lei Federal 2.630 de 2021, que buscava equiparar os direitos das pessoas com TDAH aos autistas, SUPRIMIU essa parte, pois houve o entendimento de que não poderia considerar esse público sendo com deficiência para fins legais, em total descompasso ao entendimento da saúde e jurisprudencial a respeito.

Quando mencionamos equiparação a deficiência para fins legais, não estamos falando em incapacidade, mas sim em suportes necessários para se alcançar a isonomia em diferentes contextos.

2           ALUNO ATÍPICO E SEUS DIREITOS

O artigo desenvolvido faz menção a Lei Federal 14.254/2021, ao Projeto de Lei 2.630/2021 e conceitos trazidos da jurisprudência que aplicam artigos da Constituição Federal e da Lei Brasileira de Inclusão, visando equiparar os direitos dos alunos neurodivergentes, que tenham TDAH, dislexia e/ou outros transtornos de aprendizagem, aos alunos público alvo da educação especial.

A análise é feita caso a caso pelo Judiciário e mediante toda a comprovação médica da necessidade de suporte educacional, quando não restam dúvidas que os diagnósticos limitam o aluno e que sem o suporte necessário, o mesmo seria prejudicado no seu direito a educação de qualidade, o judiciário equipara os direitos com dos alunos considerados com deficiência para fins legais.

Isso demonstra, que existe uma lacuna institucional, para atender a demanda dos alunos neurodivergentes que não fazem parte do público alvo da educação especial, mas que precisam de suporte tanto quanto.

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), elaborado pela CONITEC – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, Ministério da Saúde, página 14, menciona que:

50% a 90% das crianças com TDAH têm pelo menos uma condição comórbida;

Aproximadamente 50% das crianças com TDAH têm pelo menos duas comorbidades; e

85% dos adultos com TDAH atendem aos critérios de comorbidade.

O mesmo documento aduz: “os sintomas relacionados à comorbidade são responsáveis por comprometimento funcional grave, em vários domínios, levando a consequências acadêmicas, sociais, vocacionais e familiares”. (pág. 14)

Entre as dificuldades funcionais elencadas podemos citar prejuízos acadêmicos, problemas de socialização e de organização, resistência em aderir a rotinas ou atividades monótonas, além de cobranças e punições. Essas dificuldades geram baixa autoestima, problemas de comportamento e risco para comorbidades e transtornos psiquiátricos associados, como depressão, ansiedade, transtorno de conduta e oposição à autoridade, uso de substâncias psicoativas, abandono escolar precoce, envolvimento em atividades de risco e práticas delitivas. (pag. 12)

Portanto as políticas públicas e o legislativo, tem que levar em consideração os números acima, para atender as demandas de forma correta pois a maior parte dos alunos/pacientes que tem TDAH apresentam comorbidades, no entanto o discurso geral ignora tal fato.

Nesse artigo, iremos analisar esse panorama geral pelo viés da saúde que resulta no atendimento educacional.

2.1         LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE O ACOMPANHAMENTO INTEGRAL PARA EDUCANDOS COM DISLEXIA, TDAH E/OU OUTRO TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM

A Lei Federal 14.254 de 2021 dispõe sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia ou TDAH ou outro transtorno de aprendizagem. Já no primeiro artigo da lei, em seu parágrafo único consta direito aos educandos:

  1. identificação precoce do transtorno;
  2. o encaminhamento de educando para o diagnóstico;
  3. o apoio educacional na rede de ensino;
  4. bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde.

A lei supracitada é composta por 6 artigos, segue na íntegra:

[…] Art. 1º O poder público deve desenvolver e manter programa de acompanhamento integral para educandos com dislexia, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem.

Parágrafo único. O acompanhamento integral previsto no caput deste artigo compreende a identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde.

Art. 2º As escolas da educação básica das redes pública e privada, com o apoio da família e dos serviços de saúde existentes, devem garantir o cuidado e a proteção ao educando com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem, com vistas ao seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, com auxílio das redes de proteção social existentes no território, de natureza governamental ou não governamental.

Art. 3º Educandos com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem que apresentam alterações no desenvolvimento da leitura e da escrita, ou instabilidade na atenção, que repercutam na aprendizagem devem ter assegurado o acompanhamento específico direcionado à sua dificuldade, da forma mais precoce possível, pelos seus educadores no âmbito da escola na qual estão matriculados e podem contar com apoio e orientação da área de saúde, de assistência social e de outras políticas públicas existentes no território.

Art. 4º Necessidades específicas no desenvolvimento do educando serão atendidas pelos profissionais da rede de ensino em parceria com profissionais da rede de saúde.

Parágrafo único. Caso seja verificada a necessidade de intervenção terapêutica, esta deverá ser realizada em serviço de saúde em que seja possível a avaliação diagnóstica, com metas de acompanhamento por equipe multidisciplinar composta por profissionais necessários ao desempenho dessa abordagem.

Art. 5º No âmbito do programa estabelecido no art. 1º desta Lei, os sistemas de ensino devem garantir aos professores da educação básica amplo acesso à informação, inclusive quanto aos encaminhamentos possíveis para atendimento multissetorial, e formação continuada para capacitá-los à identificação precoce dos sinais relacionados aos transtornos de aprendizagem ou ao TDAH, bem como para o atendimento educacional escolar dos educandos.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Brasília, 30 de novembro de 2021; 200º da Independência e 133º da República)

Importante ressaltar, que a lei menciona a parceria entre a família, escola e saúde para atender as necessidades do educando, além do apoio educacional.

2.2         APOIO EDUCACIONAL X ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

 

Na lei federal 14.254 de 2021 consta que o poder público deve desenvolver e manter programa de acompanhamento integral para educandos com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem, bem como oferecer apoio educacional na rede de ensino e esse conceito é diferente do atendimento educacional especializado que tem como público alvo: pessoa com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Os autistas também são público alvo da educação especial, pois são considerados pessoas com deficiência para fins legais.

Esse público alvo da educação especial tem programas específicos e consta na verba orçamentária (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB) para desenvolvimento do atendimento educacional adequado.

Já os alunos com TDAH, Dislexia e/ou outro transtorno de aprendizagem não são considerados com deficiência para fins legais e ficam de fora desse atendimento, pois não são considerados público alvo da educação especial, porém tem necessidades específicas decorrente do diagnóstico.

O direito a educação com qualidade é constitucional e se o aluno tem necessidades específicas não pode ficar sem atendimento sob pena de ferir a nossa Carta Magna, bem como o princípio da isonomia, que significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam.

O apoio educacional embora não esteja institucionalizado é direito do educando e deve ser perseguido até que políticas públicas contemplem esses alunos.

O entendimento das questões médicas é fundamental para garantia de direito desse público, pois ficam demonstradas as limitações e necessidades específicas e logo mais analisaremos jurisprudência a esse respeito.

2.3         CONCEITO PESSOA COM DEFICIÊNCIA – PCD 

A Lei FEDERAL 13.146 DE 2015 Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Estatuto da Pessoa com Deficiência, traz o seguinte conceito:

[…] Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Art. 2º, LBI, Brasil 2015)

Para fins de aplicação da Lei Brasileira de Inclusão de 2015, consideram-se:

[…] IV – barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:

barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;

VI – Adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais;

XIII – profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas. (Art. 3º, LBI, Brasil 2015)

2.4         TRANSPONDO AS BARREIRAS

Importante, mencionar os seis tipos de acessibilidade segundo Romeu Sassaki, pois são formas de transpor as barreiras mencionadas no Art. 3º, IV, da LBI, de 2015.

  1. Acessibilidade arquitetônica

Diz a respeito ao acesso aos ambientes físicos necessários para a participação plena e efetiva na sociedade sem barreiras na infraestrutura, que por sua vez vão muito além da construção de rampas, por exemplo: portas largas, sanitários espaçosos, torneiras acessíveis, boa iluminação, boa ventilação, mobília ergonomicamente acessível, entre outros.

  1. Acessibilidade comunicacional

Sobre as diferentes maneiras de expressão e transmissão de informação, seja na comunicação face-a-face, na escrita, na contratação de intérpretes da língua de sinais, entre outros.

  1. Acessibilidade metodológica

Relacionada a instruções baseadas nas inteligências múltiplas e novos conceitos de aprendizagem.

  1. Acessibilidade instrumental

Aplicada a adequação de aparelhos e equipamentos tecnológicos ou analógicos no seu uso cotidiano: ferramentas, máquinas, lápis, caneta, computador etc.

  • Acessibilidade programática

Coligada a eliminação das barreiras invisíveis em textos normativos, como políticas e manuais.

  • Acessibilidade atitudinal

Relacionada a eliminação de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, promovendo atividades de sensibilização, conscientização e convivência.

É importante mencionar que o acesso de alunos com deficiência está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal 9.394 de 1996) ,que por sua vez visa garantir que essas pessoas tenham as mesmas condições de socialização e desenvolvimento de habilidades cognitivas e competências socioemocionais que outros alunos.

2.5         RESOLUÇÃO Nº 2 DE 11 DE SETEMBRO 2001, DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CNE) e CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA (CEB)

A Resolução Nº 3 de 11 se setembro de 2001 institui diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica.

[…] Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem:

 I – Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências. (Art. 5º, da Resolução nº 2, de 11 de setembro 2001, do CNE / CEB).

Compreendendo o conceito de deficiência, pode-se observar que qualquer pessoa que enfrente uma barreira na sociedade decorrente de seu diagnóstico poderia ser enquadrada, pois a Constituição Federal em seu artigo 205 c/c 206 prevê igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, conforme segue:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

Portanto, se a criança tem diagnóstico que atrapalha seu pleno desenvolvimento educacional, a escola não pode ficar inerte com a alegação que esse aluno não faz parte do público alvo da educação especial. Ainda mais agora com a Lei Federal 14.254/2021 que prevê o apoio educacional.

Portanto, considerando que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva é de 2008, e os atos normativos do Conselho Nacional de Educação sobre a matéria não incluem os transtornos funcionais como o TDAH no rol do público-alvo da educação especial, não há regramento específico sobre a oferta de AEE para estes casos. Todavia, pelo exposto anteriormente, e ao considerarmos que o TDAH, Dislexia, é uma dificuldade de aprendizagem que enseja acompanhamento pedagógico diferenciado, evocamos o que preceitua o art. 5º da Lei Federal 14.254  de 2021.

Em São Paulo, temos a lei estadual, Nº 17.465, DE 03 DE DEZEMBRO DE 2021, que aduz:

Artigo 1º – Fica autorizado o Governo do Estado a implantar o Programa de diagnóstico e apoio aos alunos com dislexia e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) na rede estadual de ensino.

O próximo passo é a regulamentação da Lei, sob a responsabilidade e coordenação dos Ministérios da Saúde e da Educação. Com base no texto da Lei as áreas técnicas dos Ministérios devem descrever ações, estratégias e programas para que efetivamente os Estados e Municípios possam implementar a lei da melhor forma. Ou seja, neste contexto deverá ser desenvolvido um Plano Nacional de acompanhamento integral para crianças e jovens com TDAH e Transtorno Específico de Aprendizagem (Dislexia), na educação básica.

O artigo 53 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), reafirma a universalidade do direito à educação para as crianças e adolescentes, assim como o artigo 205 da Constituição Federal, lhes assegurando igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I), direito de ser respeitado por seus educadores (inciso II), direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores (inciso III) – visando a avaliação adequada, quando os critérios de avaliação padrão não consideram as condições especificas de aprendizagem – e no parágrafo único, prevê o direito dos pais ou responsáveis de participação na vida escolar dos alunos.

A educação especial é regulamentada no Capítulo V do Título V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (lei federal 9.394 de 1996). O artigo 58 da LDB, define a educação especial, como modalidade de educação escolar para educandos com necessidades especiais, confere-lhes o direito de serviço de apoio especializado, determina que deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, (§1º), assegura o atendimento educacional especializado em condições específicas, quando não for possível a integração nas classes comuns (§2º), reconhece a educação especial como dever constitucional do Estado (§3º).

2.6         PROJETO DE LEI FEDERAL 2.630 de 2021 – COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O projeto de Lei, autor deputado Capitão Fábio Abreu, institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

A justificativa do projeto se fundamentava na necessidade de garantir às pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade os mesmos direitos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, uma vez que seriam semelhantes.

Ambos são transtornos do neurodesenvolvimento e podem causar prejuízos na: vida pessoal social acadêmica ou profissional, porém, essa parte, que considerava o TDAH a deficiência para fins legais, como é no caso das pessoas autistas, foi retirada do projeto de lei, portanto não há mais essa possibilidade de equiparação de direitos como na justificativa inicial do projeto.

O relator do projeto de lei, o Deputado Fábio Trad, entendeu que o TDAH se assemelha aos casos de TEA (Transtorno do Espectro Autista) “leve”, nível de suporte 1.

Nesse assunto é possível perceber a importância do entendimento do conceito médico dos transtornos e conhecer o impacto na vida da pessoa. Essa análise traz o descompasso entre políticas públicas, atendimento educacional com as informações médicas com relação aos transtornos e disfunções.

Inclusive, a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID teve uma atualização em 2022 pela Organização Mundial da Saúde – OMS, que incluiu o TDAH no CID 11.

A CID 11 é o décimo primeiro documento da CID desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde. Ele foi apresentado e lançado no dia 18 de junho de 2018. Após 4 anos de adaptação por parte de todos os países do mundo, o documento está em vigor desde o dia 1° de janeiro de 2022.

2.7         TDAH NO CID 11

Outra mudança importante no CID 11 é a inclusão do Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) na categorização dos principais transtornos existentes. Esse transtorno não estava especificado no CID 10, mostrando a necessidade da atualização do documento. Confira como era antes e como ficou atualmente:

Tabela 1: CID 10 no TDAH – F90 Transtornos Hipercinéticos

Nº CIDDESCRIÇÃO
F90.0Distúrbios da atividade e da atenção
F90.1Transtorno hipernético de conduta;
F90.8Outros transtornos hipercinéticos;
F90.0Transtorno hipercinético não especificado.

Tabela 2: CID 11 no TDAH 6A05 – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Nº CIDDESCRIÇÃO
6A05.0Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade predominante desatento
6A.05.1Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade predominantemente hiperativo-impulsivo
6A05.2Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, apresentação combinada
6A05.YTranstorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, outra forma de apresentação
6A05.ZTranstorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, apresentação não especificada

A sociedade como um todo precisa conhecer mais sobre os transtornos e disfunções, para que seja possível ofertar adaptações e suportes condizentes a essas condições e tornar real a inclusão para essa parcela que embora tenha a necessidade, não é vista como público alvo da educação especial e também é negligenciada pelas instituições de ensino.

No entendimento do deputado Fábio Trad, em seu voto como relator do Projeto de Lei nº 2.630 de 2021, o mesmo equiparou as pessoas com TDAH ao autista de suporte nível 1, e ao meu ver, isso não deveria ser motivo para excluir a parte que equiparava direitos e considerava essas pessoas com deficiência para fins legais, pelo contrário, demonstra que esse público tem necessidades equivalentes ao autista de suporte nível 1 portanto devendo sim ser equiparado as pessoas com deficiência.

Importante frisar, que a ideia dessa equiparação iniciou como justificativa do PL 2.630 de 2021, para um melhor entendimento do público em geral que ainda é muito carente de informações sobre o TDAH, porém são transtornos diferentes e a real equiparação buscada era com relação a aplicabilidade do Estatuto da Pessoa com Deficiência pelas instituições administrativas, haja vista, que já é aplicado pelo judiciário.

Buscar equiparar direitos, diz respeito aos suportes necessários, políticas públicas e atenção com esse público.

Segue entendimento jurisprudencial, a respeito do tema:

Obrigação de fazer. Menor portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade TDAH (CID10: F90.0) e Transtorno Misto de Aprendizado Escolar (CID10: F81.3).

Pretensão de disponibilização de professor auxiliar para acompanhamento pedagógico em atividades escolares.

Medida que assegura o acesso ao atendimento educacional especializado que é consagrado constitucionalmente e no plano infraconstitucional, sem especificação da unidade especializada, o que fica a cargo do ente público indicar. Relatório médico que atesta a necessidade do menor a disponibilização de profissional de apoio. Inteligência dos artigos 227 e 208, III, da CF, artigo 54, III, do ECA, artigo 4º, III, 58 e 60 da Lei nº 9.394/1996, artigo 28, III, da Lei nº 13.146/2015. Ausência de exclusividade no fornecimento do professor auxiliar. Recurso de apelação desprovido e remessa necessária não conhecida. (Voto nº 1030, Apelação nº 0006365-12.2022.8.26.0451

Comarca: Piracicaba, Juiz (a): FELIPPE ROSA PEREIRA)

Recurso de apelação. Remessa necessária.

Ação Civil Pública Educação e inclusão social Criança diagnosticada com ‘hiperatividade e transtorno de fala e linguagem (F80.1 e F90.0)’ Necessidade de atendimento educacional especializado – Ensino Fundamental – Sentença de procedência – Insurgência da Fazenda Pública do Estado de São Paulo – Não cabimento de remessa necessária – Inteligência do artigo 496, § 3º do Código de Processo Civil – Não caracterização de sentença ilíquida – Conteúdo econômico que pode ser facilmente aferido por simples cálculo aritmético – Inteligência do artigo 54, III, do ECA; artigos 3º, XIII, e 28, XVII, do Estatuto da Pessoa com Deficiência; artigo 59, III, da Lei nº 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) Hipótese que não cabe exclusividade – Possibilidade de compartilhamento com outros discentes, desde que na mesma sala de aula – Ausência de violação à autonomia administrativa e à separação dos poderes – Súmula nº 65 do TJSP – Reserva do possível afastada – Precedentes desta Colenda Câmara Especial – Remessa necessária não conhecida – Apelo voluntário provido parcialmente, nos termos que constam do v. Acórdão” (Apelação / Remessa Necessária nº 1000070-92.2022.8.26.0595, da Comarca de Serra Negra; Câmara Especial; Relator Xavier de Aquino (decano); Data de julgamento 18.10.2022).

3           CONCLUSÃO

Conclui-se que, infelizmente as famílias precisam passar pelo desgaste do processo judicial para terem acesso a uma educação inclusiva, sendo que todos os conceitos e ferramentas estão disponíveis para atendimento desse público, resta a conscientização dos impactos dos transtornos sob a ótica de saúde no indivíduo como um todo para que medidas mais assertivas nas esferas administrativas sejam tomadas.

A jurisprudência corrobora com tudo o que foi exposto e resguarda o direito a esses estudantes a ter um professor de apoio e outros suportes, como medida de suporte e equidade com os demais alunos e a documentação médica é fundamental para alcançar esse direito, pois é um caso no qual saúde e educação se interligam, e precisam atuar em parceria para o bem estar da criança e/ou adolescente.

Além disso, esses alunos tem direito a educação sob a perspectiva inclusiva e todo o estudo com relação a educação especial deveria ser aplicada a esse público.

Educação inclusiva é direito de todos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República.

Trilico, Matheus. Médico Neurologista, CRM 35.805/PR – RQE 24.818 – A CID do TDAH: Qual o código na Classificação Internacional de Doenças para o transtorno? Blog, atualizado em 02/01/2022.

Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, de 23 de dez. de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 28.03.2023

A Lei Federal 14.254 de 2021

Projeto de lei no 2.630, de 2021. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr. 2009, p. 10-16

Piracicaba. Tribunal de Justiça. Apelação nº 0006365-12.2022.8.26.0451. Obrigação de fazer. Menor portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade TDAH (CID10: F90.0) e Transtorno Misto de Aprendizado Escolar (CID10: F81.3). Pretensão de disponibilização de professor auxiliar para acompanhamento pedagógico em atividades escolares. Juiz (a): FELIPPE ROSA PEREIRA.

Serra Negra. Tribunal de Justiça. Apelação nº 1000070-92.2022.8.26.0595. Obrigação de fazer. Ação Civil Pública Educação e inclusão social Criança diagnosticada com ‘hiperatividade e transtorno de fala e linguagem (F80.1 e F90.0)’ Necessidade de atendimento educacional especializado – Ensino Fundamental – Sentença de procedência. Relator Xavier de Aquino.

Relatório de recomendação. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. CONITEC – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, Ministério da Saúde.